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quarta-feira, 25 de maio de 2011

Intervenções da Administração Pública Noutras Zonas do País Afectadas pelo Terramoto e pelo TsunamiI – Os Casos de Setúbal e do Algarve



6.1. Setúbal

Face à situação existente na então vila de Setúbal, em 5 de Novembro de 1755, Sebastião José Carvalho e Mello escreveu ao governador dessa praça, Sargento-Mor de Batalha Pedro de Sousa Castelo-Branco, dando-lhe instruções para fazer face à problemática existente que, para além das consequências do terramoto e do tsunami, implicara a deserção dos soldados do regimento local.

Nessas instruções dizia-se que devia convocar «por bandos debaixo da pena de perdimento dos postos aos Oficiais, e da pena de desertores aos soldados». «Com eles e com os paisanos» Sua Majestade esperava que o Governador tivesse feito «toda a possível diligência por dar sepultura aos mortos exortando o Clero e os Regulares» a concorrerem «em obra tão religiosa e de tão indispensável necessidade, antes que o ar se infecte com mais funestas consequências pela corrupção dos cadáveres, que sendo muitos devem ser lançados ao mar, pelo menos uma légua distante, como aqui se acordou com o Cardeal Patriarca».


Os ladrões, «que abusando da calamidade presente escalassem os Templos ou as casas» deviam ser presos e remetidos para a Corte «à ordem do Duque Regedor das Justiças […]», «para a remessa à comissão, que o mesmo Senhor tem ordenado, para os réus destes ímpios e desumanos crimes serem julgados e executados no mesmo dia».

O Governador foi também instruído no sentido de continuar «o despacho da Alfândega para a saída dos navios de sal, e entrada dos que trouxerem fazendas. Devia igualmente ampliar as instalações para armazenagem».

Para que não houvesse dúvidas quanto à autoridade concedida ao Governador, as instruções diziam ainda o seguinte:

Para o referido concede a S. Majestade a V. M., por este, toda a necessária jurisdição, ordenando a todos os Ministros, Oficiais de Justiça e mais pessoas a quem pertencer que cumpram e executem seus mandados, ainda que sejam de jurisdições diversas, porque o mesmo Senhor tem feito todas cumulativas nesta ocasião. E para que ninguém alegue ignorância, pode V. M. fazer registar esta em todas as Repartições de Guerra, Justiça e Fazenda dessa Vila, e publicar por bandos o que julgar que é conveniente.

Nos dias 10 e 14 de Novembro – em virtude de constar ao rei que o governador da Praça de Setúbal se achava «impossibilitado por um acidente de pedra» foram expedidadas ordens ao coronel João Alexandre de Charmont no sentido de se dirigir sem perda de tempo para a vila de Setúbal «para que nela se procedesse de acordo com as Providências ordenadas ao Sargento-Mor de Batalha Pedro de Sousa de Castelo-Branco, instruções essas de que lhe era enviada uma cópia».

Acrescenta-se que, enquanto o governador não recuperasse, o coronel deveria exercitar a «dita jurisdição mandando a todos os Oficiais de Guerra, Ministros de Justiça, Oficiais de Câmara e da Fazenda, a cujo fim fará V. M, registar este Aviso, com o que nele vai incluso, em todas as referidas repartições, para obedecerem aos mandados de V. M., sem réplica até segunda Ordem do mesmo Senhor, que do contrário se dará por muito mal servido, principalmente em uma ocasião em que tem feito todas as jurisdições cumulativas, e na qual todo o conflito de jurisdição, que retardasse o efeito das Reais Providências seria taão intempestivo como estranho a S. Majestade».

Noutras instruções do mesmo dia 10, Sua Majestade acrescentava:

[…] que no cvaso em que os homens do mar da Vila de Setúbal se não movam a restituir-se à dita Vila, e a concorrerem nela para a necessidade pública de remediar, nem pelos benefícios com que a Real benignidade os convidou nessa ocasião, nem pelos estímulos da Religião e da humanidade, que os obrigam a concorrer para salvarem a sua pátria, mande V. M. pôr Editais, declarando por eles que todos e cada um dos pescadores, que no termo que V. M. lhes assinar, se não vierem apresentar à sua ordem ficarão ipso facto privados dos privilégios que S. Majestade lhes tem concedido, e dos quais não devem ficar gozando como indignos deles os que faltarem a tão indispensáveis obrigações.

Finalmente, no dia 14 de Novembro, Sebastião José de Carvalho e Melo, em resposta a uma carta do Coronel Chermont em que devia referir desobediências no acatamento às suas ordens, dizia o seguinte ao mesmo oficial superior:

e o portador desta há-de levar as ordens do Marquês Estribeiro-Mor, Mestre de campo General, para que os Cabos de Guerra independentes do Governo de Setúbal, e mais pessoas dêem a V. M. todo o auxílio e ajuda que lhes pedir. E advirto a V. M. que como S. Majestade concedeu ao Sargento-Mor de Batalha, Governador dessa Vila, jurisdição ilimitada e ampla jurisdição para mandar ainda aos que não forem sujeitos ao Governador de Setúbal. E quando assim o não queiram entender, dará V. M. logo conta para S. Majestade mandar fazer, com a severa demonstração cumprir as suas Reais Ordens, de que V. M. é legítimo executor.

Com instruções tão concretas e com a atribuição de tão amplos poderes, não é de admirar que a situação em Setúbal se tenha resolvido satisfatoriamente em pouco tempo. A melhor prova dessa normalização parece ser uma referência feita pelo Núncio, na sua correspondência enviada para Roma, à forma digna como rapidamente fora dado acolhimento às religiosas, sem abrigo, numa instituição situada na periferia da vila de Setúbal.

Talvez seja de acrescentar que a população tradicional de Setúbal parece ter a memória dos dias difíceis de Novembro de 1755, tanto na óptica positiva como na negativa, como foi possível observar ao autor durante as cerca de duas décadas em que, por razões familiares, cívicas ou profissionais se relacionou estreitamente com a cidade de Setúbal.

in NETO, João Pereira Neto, A Resposta da Administração Pública ao Terramoto de 1755, Memórias da Academia das Ciências de Lisboa, Classe de Ciências, Tomo XLIII, Volume II, Lisboa, Academia das Ciêncais de Lisboa, 2006 / 2007.

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