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sexta-feira, 15 de julho de 2011

Sobre Afonso, o Africano...

O Afonso Africano (1611), de Vasco Mouzinho de Quevedo Castel-Branco, assinala uma viragem estilística e ideológica, aliás já a desenhar anteriormente. Nele ainda se faz sentir a influência camoniana, mas apenas no que respeita à fraseologia, ao material primeiro do estilo, pois a matriz do seu poema, como a da Malaca Conquistada de Sá de Meneses, é a Jerusalém Libertada (1581) de Tasso, o poema por excelência Contra-Reforma, sobretudo na sua refundição de 1593. Ao prosaísmo cronístico vai seguir-se a alegorização da acção em termos moralistas e religiosos. D. Afonso V é o Varão Forte que conquista em Arzila, a Cidade da sua própria almas, forçando cinco portas, que são os Cinco Sentidos, mediante a luta entre cavaleiros cristãos e mouros, cujos símbolos heráldicos representam outras tantas virtudes ou vícios opostos. A conquista foi sugerida em sonho por uma Donzela Formosa, que é a Fé; o sulcar do Oceano pelas naus foi a vitória contra as tentações infernais, cujo orientador, o mago Eudolo, consegue a certa altura prender o príncipe D. João, ou seja o Amor, numa ilha de Deleites que o ia perdendo. É escusado continuar o esmiuçamento dos símiles alegóricos, em que a influência de Tasso, quase a sua paráfrase, se sente, por exemplo, na paixão da moura Zaida pelo príncipe D. João. A escolha do tema, que em grande parte pode explicar, pela semelhança do contéudo, a preferência do modelo tassiano, decorre sensivelmente do propósito de dar uma contrapartida de Alcácer Quibir. Com efeito, o mago Eudolo, depois de vencido, vaticina toda a história de Portugal no Norte de África, detendo-se especialmente pelo martírio do Infante Santo que prenuncia o ambiente trágico em que se assiste, no penúltimo canto ao destroço do exército de D. Sebastião, com a consabida enumeração dos membros da aristocracia a morrer em beleza. É uma página lutuosa de nobiliário metrificado.

in SARAIVA, António José & LOPES, Óscar História da Literatura Portuguesa.

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